Só No Truque ...

Caros leitores de orelha de livro, profundos conhecedores de duas ou três citações de Nietzsche, amantes da culinária tailandesa feita por Tia Dulce, vítimas da moda de Herchcovitch comprada em ponta, ouvintes hypes de Mr.Catra pirata, frequentadores do Coqueirão de Ramos, cultuadores do cinema gratuito... Neste espaço, quase um lounge virtual, se fala de muito um tudo. Mas amadores não entram. Gente que se leva a sério tem úlcera e mau-hálito. Força no laquê e muito truque!

17.1.07

Carta aberta ao meu pai

Pai,
Há muito não escrevo nada pra vc. Já coloquei no papel dezenas de palavras doces com certa
fragilidade. Já as ordenei em outros de maneira vil e cruel. Mas hoje, senti uma enorme vontade
de "falar" com vc. E de dizer outras palavras que não as que sejam complicadas. Palavras simples
apenas. Ao assistir uma entrevista do Bial, e ele fazendo uma breve referência ao pai, me identifiquei.
Ele falou sobre a música que lembrava a infãncia dele. Acordes africanos nunca antes ouvidos por
qualquer pessoa. Mas ele foi apresentado por aquele som quese etéreo pelo pai. Um louco alemão
que lia em voz alta Goethe no original, na sala de casa. Aos poucos, o jornalista dizia o quanto foi bacana a emancipação feminina, a generosidade de
deixar o homem sentir-se pai. E contou como o pai dele se mostrava tímido a um toque. E concluiu:
"Eu tenho pena do carinho que ele não soube me dar e do carinho que eu não soube transmitir a
ele".E por alguns instantes me peguei pensando na força dessa imagem, dessa frase. E também senti essa pena. De mim. De nós.E estas palavras aqui não são de cobrança ou de incompreensão.Hoje compreendo tanta coisa e as aceito. Mas rejeito em mim o ato de não amar incondicionalmente
e de não expôr esse sentimento.Quando me lembro da minha infância, uma das cenas mais recorrentes estyava vc. Me recordo com
saudade das tardes que passava numa cadeirinha de palha ouvindo os discos novos que vc levava
para casa. Com vc aprendi a gostar de Beatles, a querer entender a musicalidade do silêncio que
pairava entre nós. Em breves momentos, me sentia tão íntima, tão capaz de ouvir seu coração. E
ouvia o meu descompassado esperando algum minutinho para dizer eu te amo.E como nós perdemos tempo na vida. Todo dia, toda hora.Depois de tantas batalhas e quedas e tropeços, sei que faz parte de mim essas lembranças. E de
como me tornei forte o bastante para não sentir o peso da vida adulta que foi chegando tão rápido
e tão sorrateira.Quando falo de vc para os meus amigos, tenho um orgulho danado daquelas tardes. De como foram
importantes na formação do meu caráter, da minha postura diante da vida. Da minha curiosidade
pelo novo.Ao perceber e reconhecer nossas diferenças, observo que por causa delas me tornei quem eu sou. E
tenho um orgulho danado de mim.A cada vitória conquistada, penso que parte de vc está aqui comigo. E mesmo distante me sinto
confortável em imaginar que estou fazendo a coisa certa.Não brincamos muito, não trocamos muitas palavras, não sabemos muito da vida um do outro, não
temos a necessidade de estar presente aos olhos do corpo, é bem verdade, mas creio que aos olhos
da alma estamos interligados. Almas ora inquietas, estúpidas, chorosas, carentes. Almas ora
felizes, risonhas, amáveis e afetuosas.Ao radiografar meus pensamentos vejo o quanto nossa relação me fez crescer. Tenho a sensação de
que o mundo é pequeno em vista da giganteza do espírito de luta. Acho que já nasci predisposta a fazer deste mundo um lugar melhor. E conviver com vc todos
aqueles anos me deu garra para ser livre.Me lembro de um fragmento de conversa na qual vc dizia que o mundo não era aquilo que eu
esperava. Na hora, achava aquele papo de uma caretice sem tamanho. Mas agora percebo que vc
estava certo. O mundo aqui fora é diferente. Mas tratei de torná-lo divertido a meu serviço.Obrigada pai, por todas as broncas, crises, cobranças. Com medo de não atender suas expectativas, tratei de me tornar uma mulher íntegra, honesta,
competente. Para chamar sua atenção decidi não usar drogas ou me rebelar como muitos o fazem. Para te orgulhar, tratei de fazer o melhor que podia. Hoje, olho para trás e vejo naquela longa estrada começada em 1972 um bom caminho. As pedras
existiram. Mas para quem anda descalço pela vida qualquer obstáculo se torna companheiro de
jornada.Decidi te contar tudo isso. Dividir com vc a alegria de pertencer ao seu DNA. Dizer um "Eu te
amo" sincero em meio a banalização do amor e agradecer por vc estar vivo e ainda estar aí pra
sentir orgulho de mim.Eu venci! Nós vencemos!Que bom...

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ei... que textos lindos!!! parabéns!!! essa coisa cáustica com leves toques de meiguice escondidas - e muito bem escondidas - nas entrelinhas... Vc realmente escreve muito bem... Foi um prazer encontrar seu blog.

4:53 PM  
Anonymous Anônimo said...

É guria... textos regulares tb não são meu forte... risos... alguns tristes, outros apaixonados... e muitos intervalos entre uns e outros... mas o prazer é grande, muito mesmo. Entrei no que vc indicou... gostei não... gosto de coisas gerais e não só das que falam de relações amorosas... mas valeu a dica...

10:37 AM  
Blogger Caldereta das Idéias said...

Moça, aqui é a Solis!
Adicionei o seu bloguinho nos favoritos do meu bloguinho! =)

Vou ler seus textos! Um beijo!

9:55 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ei... dá uma atualizada pelamordedeus... risos... beijos

7:43 AM  

Postar um comentário

<< Home